As startups! Ah… as startups! Bem que o movimento que elas causam poderia ser chamado de a “nova corrida do ouro”, afinal, esse fenômeno das startups também começou lá pelas bandas da Califórnia, mas, como diz o título acima...
Analogias à parte, o que parece muito semelhante é o efeito catártico igual ao das histórias de enriquecimento geradas durante a corrida do ouro nos Estados Unidos rumo ao oeste e que também aconteceu aqui no Brasil em diferentes momentos. A reprodução das histórias fabulosas de riqueza engoliam o imaginário coletivo e embriagavam as mentes mais sonhadoras, no sentido de pouca conexão com a realidade concreta.
Para quem conhece história, fica mais fácil encontrar as conexões e compreender causas e efeitos. E atenção: com a corrida do ouro veio a febre do ouro.
Hoje, as startups são consideradas como um caminho para o sucesso empresarial e pessoal, quase revolucionário, em tempos de liberdade econômica e tecnologias abundantes. E existem verdades e enganos nesse contexto bem mais complexo do que a narrativa plana que tomou conta de eventos e do “ecossistema”, pelo menos aqui no Brasil.
Nós, cofundadores da NEW-e, nascemos na década de 80, onde os sonhos mais comuns ficavam entre ser jogador de futebol, modelo ou artista. Eram os caminhos mais rápidos para mudar de vida e que traziam maior fama, reconhecimento e, claro, dinheiro.
As startups se tornaram populares no final da década de 90, com a explosão das ponto.com. Empresas que cresciam surfando grandes ondas tecnológicas, comuns após a Segunda Guerra Mundial, e que emergiram fortemente no Silicon Valey, num fenômeno digno das nem tão famosas, mas lendárias ondas gigantes californianas, Mavericks.
Desde então as gerações mais recentes tem se encantado pelas startups tanto quanto pelo futebol, passarelas e outros palcos da vida. O negócio agora é ser CEO! De preferência, de uma startup de garagem, claro, é mais "cool". ;)
Bingo! Chegamos ao ponto, mas vamos parar um pouco, fazer um tanto de silêncio, respirar fundo, pedir uma bebida a gosto do freguês e vamos analisar o que está acontecendo.
De fato, o sonho mudou, mas alguns padrões românticos permanecem. Nos sonhos de antes, a realização pessoal quase nunca aparecia na conversa, dando a entender que quando você chegasse lá estaria realizado.
Naquela época, as garagens eram grandes celeiros de… bandas de garagem! Afinal, até bem pouco tempo atrás, o sonho de ser rock star estava mais presente entre a garotada e era um tanto simples, porque bastava comprar um instrumento, tocar alguns acordes e se juntar com os amigos que tocassem outros instrumentos e, magicamente, o sonho começava a virar realidade. Logo vinha o primeiro show na escola ou na vizinhança e a qualidade musical não importava muito não.
Notou alguma semelhança? Vamos ajudar.
Hoje, a vida em busca do fama, sucesso e dinheiro ficou ainda mais fácil. Você só precisa de uma ideia, milionária de preferência. Encontrar um sócio que acredite nessa ideia, mas se não acreditar tudo bem. Montar um Pitch “matador” e ir à luta com sua startup, por exemplo, se inscrevendo e participando de eventos de empreendedorismo para apresentar sua startup aos investidores que estarão lá. Sim! Acredite. É possível dizer que eles estarão lá. Aliás, investir está virando outra febre derivada do momento, mas isto é para outro post.
Talvez isto pareça um pouco cruel dito assim, mas o resultado desse fenômeno é o já conhecido empreendedorismo de palco. E o mais alarmante é que as novas levas de pessoas que se aproximam desse universo empreendedor e de startups chegam cada vez menos informadas e preparadas para desenvolver negócios de verdade e isto tem causado muitas frustrações e problemas sérios que poderiam ser evitados por alguns cuidados mais criteriosos de quem já está nessa praia há mais tempo.
Se não houver cuidado, é como você jogar um bando de gente que não sabe nem nadar no mar, lançar pranchas, e dizer para que surfem. Só que a primeira lição para surfar é em terra e trata-se de respeitar o mar, bem diferente de ser jogado ao mar.
A banalização das startups está criando um ambiente perigoso para os neófitos no ramo. A disseminação do que é e de como se cria uma startup está sendo distorcida, transmitida para quem chega e propagada de maneira equivocada e inconsequente, comprometendo a própria construção das startups por falta de base, critério e seriedade, sendo que o que está em jogo são as vidas e os sonhos das pessoas.
Essa é uma advertência que deveria ser feita de maneira bem mais longa e aprofundada, mas a intenção não é fazer um post longo e apenas sobre “advertência”, além disso, consideramos que, até o momento, está de bom tamanho e nos fizemos entender. Agora que temos sua atenção consciente, sentimos que é possível falarmos sobre startups de maneira mais adequada.
Não é porque as startups estão sendo transformadas em circo, que a arte circense não seja boa, pelo contrário, apenas está fora de lugar.
O circo é uma arte milenar, teve origem no Circus Máximus em Roma, VI a.C. Mas o circo também evoluiu, passaram os gladiadores, os animais ferozes e as bizarrices e vieram os palhaços, os acrobatas e uma última geração de bailarinos e atletas para então chegarmos ao Cirque de Soleil. Tão mais perigoso e encantador quanto o Circus Máximus, porém, certamente, muito mais técnico, especializado, profissional e digno.
Percebeu onde queremos chegar? Não é que estamos contra startups, empreendedorismo, ecossistemas, sucesso… não é isso, inclusive recomendamos a leitura do post "O Empreendedorismo e seus Caminhos". Estamos a favor do preparo, do embasamento, do estudo, da prática conforme o preparo e com suporte adequado, da qualificação das pessoas e do ecossistema para construirmos mais e melhores startups e, se não forem startups, diversos novos negócios.
Pensando assim, o primeiro passo considerado ideal é saber do que se trata uma startup. Então... não tem um conceito absoluto, precisamos ser honestos com você, e talvez seja isto que deixa brechas para as mais variadas aplicações distorcidas. Porém, existe um consenso que torna possível chegar a um entendimento adequado do que se trata.
Uma startup refere-se a um grupo de pessoas ou uma empresa nascente em busca de um modelo de negócio repetível, escalável e em um ambiente de extrema incerteza.
Ou seja, ficou mais fácil para chegar a algumas conclusões. Vamos a elas!
Startups não são feitas por uma só pessoa, afinal, uma andorinha não faz verão. Startups não precisam necessariamente de CNPJ, ao menos no começo, porque quando o negócio engrenar, depois dos testes e validações, um registro formal é requisito para seguir crescendo, até porque seu modelo terá de ser repetido e escalado.
Uma startup deve ser repetível, e isto quer dizer que é possível reproduzir o seu processo de alguma forma, seja com mais pessoas, mais equipamentos ou digitalmente, por exemplo, já que o objetivo é realizar simultaneamente cada vez mais vezes a operação que foi projetada. Uma startup deve ser escalável, ou seja, as atividades de negócios, vendas, atendimentos, processos, e, claro, faturamento, por exemplo, devem crescer em quantidades cada vez maiores e em curtos períodos de tempo.
E por fim, e não menos importante, uma startup deve operar em um ambiente de extrema incerteza. Algumas vezes isso traz dúvidas sobre o que realmente significa ou representa esse ambiente de incerteza. Na prática é bem simples de compreender.
Você acredita que alguma coisa pode mudar abruptamente no mercado de padarias a ponto de alterar o já conhecido comportamento desses negócios? Hoje, nada indica que isso aconteça, logo, não há incerteza sobre esse tipo de negócio, mas em algum momento isso pode mudar. Quer ver?
Há 20 anos, você imaginava que o mercado de carros de praça, mais conhecidos como táxis, possuía alguma incerteza? Provavelmente não. Até que surgiram os aplicativos de transporte e estava feita a bagunça.
Queda na quantidade de corridas, falta de regulamentação, redução do preço do serviço, redução de barreiras de entrada no mercado, e por aí vai. E será que as incertezas desse mercado já acabaram? Certamente que não. Talvez até aumentem com o advento do carsharing e aumentem mais um pouco com a futura chegada dos carros autônomos.
Só essas informações já esclarecem muito sobre o tema, mas ainda tem um detalhe a mais.
Outra questão relevante e ainda mais desconsiderada pela maioria, trata do tempo de duração de uma startup. Não existe um prazo definido para você deixar de ser uma startup, até porque cada projeto é um projeto, mas uma startup não é para sempre. Alguns consideram de 3 a 5 anos um tempo adequado para desenvolver e estabelecer o negócio.
Existem muitas startups que cresceram, se tornaram companhias gigantes e 10 anos depois ainda se consideram ou são consideradas startups. Startup na tradução livre é algo como "arranque", "partida", logo, percebemos que os negócios que mantém seu status de startup depois de estabelecidos ou ao longo de muitos anos soa meio como uma síndrome de Peter Pan. :/
Se apenas estas informações fossem difundidas com seriedade, talvez não tivéssemos uma “nova corrida do ouro”, tão pouco uma “nova febre do ouro” e sim relações de negócios vai fortes e proveitosas para todos.
Se você criou uma negócio que não se aproxima dessas situações, talvez você não tenha criado uma startup, e isso não quer dizer que você não tenha em mãos um excelente negócio, que entrega e captura valor e é de fato lucrativo. Neste caso, você terá criado uma empresa, micro, pequena, média ou grande, sem rótulo e que valerá seu esforço, ao menos por um tempo, e lhe trará bastante aprendizado.
Mas atenção! Não se deixe levar por "magos" das startups e do empreendedorismo que menosprezam seu esforço dizendo que seu negócio “não é repetível” ou que “não é escalável” e que, por isto, não é/está bom e você precisa fazer outra coisa para seguir em frente.
Quem sabe de você, da sua vida, das suas necessidades, das suas competências e dos seus objetivos é você! Acolha sempre todo o feedback com gratidão, mas tenha segurança para avaliar se ele lhe serve ou não, e então siga em frente consciente daquilo que você considera importante para você. E lembre-se: tudo a seu tempo.
Vemos muitas pessoas jogando fora negócios bastante proveitosos por causa de “orientações” de pessoas experientes, alguns negócios com validações robustas e pequenos faturamentos e lucros já acontecendo. Não duvidamos da experiência de quem orienta, e sim consideramos a experiência e o preparo de quem é orientado!
Se você quer correr uma maratona, corra os primeiros metros, depois os primeiros quilômetros, depois participe das primeiras corridas. Criar e manter uma startup é um processo árduo e que requer muito preparo em diversos assuntos, como gestão, legislação, contratos, contabilidade, negociação, equipes e, principalmente, autoconhecimento, e muitas outras habilidades.
Logo, se você quer mesmo enfrentar esse desafio e trilhar o caminho das startups, siga em frente. Tem muito perrengue, mas também tem muita coisa bacana.
O importante é que, se você for começar um negócio agora mesmo, ao menos saiba compreender se ele tem potencial para ser uma startup ou não e quando, por algum motivo, pode deixar de ser.
No começo, a NEW-e foi uma startup, mas o modelo de negócio mudou e deixou de ser.
Ficamos em um mercado com um universo relativamente pequeno de clientes no setor energético, algo na casa de alguns milhares, ou seja, não temos muito para onde escalar, ao menos por enquanto. E se algo mudar e escalarmos, já não seremos mais uma startup, porque já temos hoje 8 anos de fundação e mercado, a não ser que comecemos um novo negócio específico com essas características.
De qualquer maneira, uma coisa que a NEW-e nunca deixará de ser é uma spin-off! Só que isso... é tema para outro post. ;)
Avante!
Conteúdo: Tainan V. Caballero e Carlos Sonier do Nascimento
Redação: Tainan V. Caballero
Foto: Mika Baumeister/Unsplash
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